A indisponibilidade dos pais

Stephan Hausner Sobre pais

Nossos pais são pessoas bem comuns. Eles, em sua história, também lidam com a influência do sistema e da história de seus antepassados. Por isso, por vezes podem estar indisponíveis em níveis mais profundos em determinadas áreas da vida.

Como pessoas bem comuns. Como todos nós.

Stephan Hausner conta em seu livro “As constelações e o caminho da cura” um caso onde um sintoma do cliente, a hipertensão, o levou a perceber a conexão que havia com o afastamento do pai do cliente.

Esse afastamento aconteceu quando o cliente era muito novo e o impeliu a acusar o pai, sem tomá-lo inteiramente.

Esse movimento, de brigar com a nossa raiz, traz consequências para nossa vida. De certa forma, isso é claro: brigamos com algo que faz parte de nós, emocionalmente e geneticamente.

Ao direcionarmos nossas acusações aos nossos pais, uma parte de nós, inconsciente, ouve isso como uma autoacusação. Agimos como uma doença autoimune, sobrecarregando o sistema. Em consequência, nos tornamos menos aptos para a vida e enfrentamos mais dificuldades.

Como filhos, o melhor lugar é o da gratidão pela oportunidade da vida que veio através dos nossos pais.

Ao se permitirem serem pais, eles permitem a nossa existência.

E assim temos a chance de experimentar este mundo, ainda que com suas dores e contradições, é um lugar onde também podemos experimentar os prazeres, as conquistas e o crescimento.

Bert Hellinger, em sua obra “As Ordens do Amor”, traz um ensinamento muito importante que também cabe aqui, quando olhamos para a forma como nós, filhos, lidamos com as dificuldades que chegam em nossa vida:

“Algumas pessoas conseguem recuperar em pouco tempo um monte de coisas, quando realmente agem. Já as confissões de culpa e lamentações são apenas substitutos para a ação. Elas frustram a ação e enfraquecem”.

Leia abaixo a transcrição do estudo de caso trazido por Stephan Hausner em seu livro.

Doença e Insegurança da criança quanto à sua vinculação, devido a uma indisponibilidade emocional limitada dos pais – Por Stephan Hausner

Por causa de envolvimentos com membros de sua família de origem, com parceiros anteriores ou devido a vivências traumáticas pessoais, os pais muitas vezes não estão livres para dedicar-se aos filhos. Estes percebem que algo não está em ordem em sua relação com os pais. Então ficam inseguros, têm a sensação de que não podem confiar e via de regra, buscam inicialmente em si mesmo a causa da perturbação do seu relacionamento.

O que as crianças não ousam receber manifesta-se geralmente nas constelações quando os representantes dos pais não sentem proximidade em relação aos representantes dos filhos, não os toleram ou até se afastam deles.

A raiva: “Querido papai, eu não estava livre” (Paciente hipertenso)

Um homem de cerca de 35 anos sofre hipertensão há 3 anos. Questionado se nessa época aconteceu algo especial em sua vida responde:

“A empresa onde eu trabalhava foi à falência, e eu tive de procurar um novo emprego. Como tenho uma boa formação, eu não precisaria preocupar-me, mas essa situação me lançou numa depressão profunda. Tive a sensação de que me tiraram o fundamento de minha vida”.

Em muitas constelações verificou-se que a maneira como nos defrontamos com assuntos profissionais costuma estar associada ao relacionamento com o nosso pai. (Como depois se evidenciou, a frase: “Tive a sensação de que me tiraram o fundamento de minha vida” era uma indicação de que o fundamento da vida foi tirada de uma pessoa da família a quem o paciente é ligado e com quem está envolvido.)

Portanto, pergunto inicialmente ao paciente como ele se relaciona com seu pai ou se algo aconteceu nesta relação.

O paciente torce a cara e diz, de mau humor: “Quando eu tinha 17 anos, meu pai abandonou minha mãe”!

Eu continuo: “Por isso você tem raiva dele?

Paciente: “Sim, porque tive de assumir o seu lugar!”

Para não entrar mais fundo na raiva do paciente, decido fazer um comentário mais objetivo: “Em casos de pacientes hipertensos, as constelações revelam que, muitas vezes, a dinâmica condicionante é um amor que foi ou precisa ser reprimido!”.

Essa afirmação toca o paciente que comovido responde:

“Eu sempre amei muito meu pai, mas sempre tive a sensação de que não devia amá-lo, pois ele fez muito mal à minha mãe”.

Meu pai, minha mãe e eu

Nesse ponto peço ao paciente que coloque em cena representantes para o seu pai, sua mãe e para si mesmo. O paciente posiciona o seu próprio representante ao lado de sua mãe. O representante do pai é colocado à parte, afastado de ambos.

Quando peço aos representantes que sigam seus impulsos, o representante do pai, resignado, dá as costas para sua mulher e seu filho. A impressão é que com a sua esposa ele não tem chances.

A representante da mãe percebe que tudo é excessivo para ela, e que especialmente o filho está perto demais. Ela dá um bom passo para trás e sente-se visivelmente aliviada com esse distanciamento.

No entanto, o representante do paciente imediatamente a segue. Quando o filho fica de novo ao seu lado, ela começa a respirar com dificuldade e torna a distanciar-se, dando vários passos para trás.

Quando o representante do filho faz menção de segui-la outra vez, a representante da mãe o encara com olhar severo, manifestando-lhe claramente que não deseja isso.

A restante anamnese familiar revela que a mãe do paciente perdeu o pai aos 5 anos. Com essa perda profundamente ancorada, sente dificuldade de ligar-se e permitir proximidade. Talvez o filho também precise representar para ela o pai, por isso ela evita contato.

Quem está indisponível?

Seja como for, volto-me ao paciente e pergunto: “Quem, na sua imagem, foi sempre responsável pelas dificuldades no relacionamento dos seus pais? Ele responde imediatamente: “Meu pai”. Dou-lhe algum tempo para refletir e pergunto: “E o que se mostra na constelação?”

Paciente: “minha mãe!”

Proponho ao paciente: “Olhe para o seu pai lhe diga: ‘Querido papai, sinto muito, eu não estava livre’.” Ele chora ao repetir a frase.

O representante do pai vira imediatamente para o paciente, caminha em sua direção, aproxima-se dele e o abraça. O paciente chora nos braços do pai, colocando uma das mãos no coração e repetindo várias vezes: “Me dói tanto!”

O representante do pai o abraça e tranquiliza com as palavras: “Está bem, tudo vai ficar bem!” O olhar para o filho nos braços de seu pai alivia a representante da mãe. Com benevolência ela olha para ambos.

Na rodada final do curso o paciente comenta: “Por mais que meu coração tenha doído nos braços do meu pai, algo se soltou com isso. Sinto desde então uma leveza que eu desconhecia.

Quando uma mãe tem dificuldade para relacionar-se com o próprio pai e não está em harmonia com ele, com o destino dele ou com seu próprio destino, seus filhos muitas vezes renunciam ao próprio pai.

Percebendo a dor de sua mãe, não querem causar-lhe de dor por meio de um bom relacionamento ou de uma proximidade com o pai.

A falta da presença dos pais

Na perspectiva do trabalho das constelações, as pessoas tendem a ficar depressivas quando não podem ou não devem acolher no coração um dos pais ou ambos. Isso provoca o sentimento básico de abandono e o vazio interior, muito encontrado entre os depressivos.

A origem disso reside muitas vezes numa perturbação do vínculo já na primeira infância, embora o comportamento depressivo, motivado ou não por um fato externo reconhecível, geralmente só se manifeste numa fase tardia da vida. (Ruppert,2003)