Quando falamos das origens da Constelação Familiar logo vem à mente o nome de Bert Hellinger, e não sem razão. Seu estudo, dedicação e trabalho contínuo moveu o conhecimento desse campo há mais de 40 anos… Mas, ao longo de sua trajetória, muitas pessoas também contribuíram para que a compreensão das Constelações Familiares chegasse até ele.
Bert Hellinger falava que era movido por sua curiosidade e direcionava seu conhecimento através dos movimentos que se apresentavam nesse campo que trata de relacionamentos sistêmicos e suas influências.
Quem já assistiu ao trabalho de Hellinger, podia até notar como suas intervenções eram firmes e certeiras. O que estava por trás dessas ações, além da grande experiência de muitas décadas trabalhando com pessoas e seus sofrimentos, são as variadas linhas de pensamentos psicológicos que o ajudaram a formar a compreensão do que veio a se entender como Constelação Familiar.
Vamos abordar neste artigo algumas linhas de conhecimento que, segundo Hellinger, o ajudaram a chegar naquilo que se transformou na Constelação Familiar na forma como conhecemos hoje.
Uma grande parte das referências tratadas aqui foram trazidas pelo próprio Bert Hellinger em uma entrevista concedida a seu amigo Norbert Linz, disponível no livro “Ordens do Amor”.
Eric Berne: Análise Transacional
Eric Berne foi um psiquiatra e psicanalista canadense que em 1958 lançou o que passou a ser conhecido como Análise Transacional.
Berne acreditava que os insights para o paciente surgiam da análise sobre a forma com que se portava em suas relações.
A teoria da Análise Transacional acredita que o ser humano é um indivíduo social, e que se colocado em contato com outra pessoa, algo irá resultar dessa inter-relação.
Berne postulou que existem 3 estados de ego que influenciam nossa postura durante a vida:
- Ego Pai: são padrões desenvolvidos, aprendidos e influenciados por experiências externas dos 0-5 anos, como por exemplo o relacionamento com os pais e familiares, amigos e outras pessoas.
- Ego Criança: influenciados por experiências internas dos 0-5 anos. Guiado pelas emoções, pela criatividade e sentimentos interiores. É o mais espontâneo dos 3 estados de ego e é fortemente baseado no sentimento que cultivamos na nossa primeira infância.
- Ego adulto: é o estado do ego mais racional e realista. Seria o ego maduro, onde tomamos decisões sem interferência das emoções e das regras.
Em nossa vida, Berne defendia que alteramos entre os 3 estados do ego para seguirmos em nosso desenvolvimento, utilizando em cada momento o ego que melhor se adapta às nossas necessidades.
“O insight decisivo me veio quando pratiquei a Análise do Script (Análise transacional) segundo Eric Berne. Ele partiu da constatação de que cada pessoa vive de acordo com determinado padrão.” Bert Hellinger.
Arthur Janov: Grito Primal
Arthur Janov foi um psicoterapeuta americano que no fim dos anos 60 observou algo que veio a ser conhecido como Terapia Primal, ou Grito Primal.
Seu insight definitivo veio quando, durante uma sessão de psicoterapia, um cliente seu deitou-se no chão e proferiu “um grito estranho, oriundo de sua profundeza.”
Assim veio a ideia de trabalhar com a re-experiência de momentos difíceis, na busca de liberar e expressar algo que estava bloqueado.
Sobre a Terapia Primal, Bert Hellinger disse:
“Fiquei profundamente impressionado com a maneira direta que Janov abordava as emoções. (…) Alguns clientes e terapeutas se deixam levar exclusivamente por suas emoções. Logo percebi isso e me defendi dessa atitude.
Porém, conservei o que tinha valor: antes de tudo, que o indivíduo seja entregue a si mesmo e não se ocupe de sentimentos alheios como recurso para escapar dos próprios, distraindo-se de si mesmo”.
Jakob Moreno: Psicodrama
O terapeuta vienês emigrou para os Estados Unidos em 1925. Juntou seus estudos à sua outra paixão, o teatro, e desenvolveu um conhecimento onde o cliente poderia representar toda sua vivência e sua experiência no mundo em uma encenação.
Dessa forma, o Psicodrama permitia que variados aspectos do relacionamento do cliente (desejos, esperanças, temores e objetivos, assim como familiares e relacionamentos) pudessem se materializar em um atendimento.
Assim, aquilo que era difícil e complicado para o cliente se materializa também nos papéis representados e na interação do cliente com eles.
Um dos objetivos principais do psicodrama é permitir ao cliente, através da atribuição de papéis e de sua própria representação em relação a ele, uma forma de experimentação de diferentes pontos de vista e testar novas possibilidades e perspectivas.
Com estas representações, o Psicodrama permite a criação de uma nova experiência interior em relação a algo antes estagnado.
Virginia Satir: Esculturas Familiares
Virgínia Satir foi uma terapeuta americana creditada como a “mãe” da Terapia Familiar.
Seu trabalho, diferente do psicodrama, não se preocupava tanto com a reencenação de relações. Seu foco foi nas estruturas formadas pelo modo como as pessoas dentro de um sistema se relacionam.
Para isso, antes do trabalho das esculturas, um workshop era realizado para que fosse feita uma reconstrução familiar.
Nesse ponto, era trabalhada a história da família em questão em todas as suas facetas, utilizando-se todas as relações afetivas e de parentescos em diversas gerações.
Após esse primeiro momento de conscientização do objetivo e complexidade dos relacionamentos sistêmicos e familiares, se direcionava então para a escultura familiar propriamente dita. Através desse aprendizado, os representantes deveriam ser escolhidos conforme sua proximidade com o papel representado.
No livro “Constelação Organizacional”, os autores Klaus Grochowiak e Joachim Castella falam que:
“Dessa forma foi possível representar em gestos e mímicas aquilo que até então estava oculto na imaginação do indivíduo como imagem interna; por meio de gestos, posições ou relações de distância os participantes podiam experimentar as percepções dos demais membros do sistema.
Algo que se evidenciou especialmente na reprodução da mímica e dos gestos do estereótipo dos participantes é que os representantes têm sensações semelhantes aos representados. Virginia Satir chegou à conclusão de que as pessoas tendem a experimentar sentimentos semelhantes quando assumem posturas semelhantes.”
Origens da Constelação Familiar: Fenomenologia
O conceito da Fenomenologia foi criado pelo filósofo Edmund Husserl. De acordo com sua conceituação, todos os fenômenos do mundo devem ser pensados a partir das percepções mentais de cada ser humano.
Ele sugere que os acontecimentos devem ser estudados conforme eles sejam experimentados na consciência, por aquilo que se mostra essencial à sua percepção. Assim, entende-se que a fenomenologia estuda a essência do que é observado, da forma como é observado.
Hegel e Kant são dois expoentes desse campo. Vamos saber mais sobre eles.
Friedrich Hegel
Hegel é o autor do livro “Phänomenologie des Geistes” ou Fenomenologia do Espírito.
Para Hegel, ideias e valores se alteram continuamente, conforme a cultura da época (zeitgeist). O que era contraditório em um período, se torna aceito em outro. Uma vez que as ideias e valores presentes na cultura estão em constante mudança.
A ideia de Hellinger sobre o não julgamento flui deste pensamento. Algo não pode ser simplesmente bom ou ruim, pois o valor de bom ou ruim atribuído às coisas muda conforme a regra e a cultura da sociedade.
Immanuel Kant
Revolucionou o pensamento sobre o mundo ao observar que não temos como definir o que está externo a nós se não pela mente e sentidos.
Assim, tudo aquilo que vemos e vivenciamos é, em sua base, uma interpretação, e não a “realidade”. Essa visão é a base da Gestalt terapia.
Os estudos de Kant ficaram conhecidos como Idealismo Transcendental. Estes conhecimentos é onde ele afirma que nossas ideias das coisas que experienciamos nada mais são do que percepções de nossas faculdades humanas.
Outras influências
Bert Hellinger falou sobre algumas de suas outras influências no livro “Ordens do amor”. Veja algumas delas aqui.
- Ruth McClendon e Les Kadis: “Estive nos Estados Unidos por mais quatro semanas e participei de um grande seminário sobre terapia familiar, dirigido por Ruth McClendon e Les Kadis. Com eles aprendi muito. Faziam Constelações Familiares impressionantes e, por intuição ou por tentativas, encontravam boas soluções.
- Thea Schönfelder: “Participei ainda de dois cursos com Thea Schönfelder sobre Constelações Familiares. Ela trabalhou de uma forma muito marcante, que eu já compreendia melhor.”
- Milton Erickson: “A primeira coisa foi que Erickson reconheceu o ser humano tal como é, reconheceu os sinais como são, deixando-se conduzir pelos sinais do cliente que está diante dele.”
- Boszormenyi-Nagy: “escreveu um livro sobre “Os Vínculos Invisíveis”. Isso me apontou uma direção. Mas logo passei a examinar por mim mesmo como atua nas famílias a necessidade de compensação.”
Origens da Constelação Familiar: O ponto de partida de Hellinger
Essas foram algumas das referências trazidas por Bert Hellinger no começo do seu trabalho com as Constelações Familiares. Inclusive, entre elas, pessoas que já trabalhavam numa linha de Constelação Familiar. Entenda neste artigo como era a Constelação Familiar ANTES de Bert Hellinger.
O grande insight de Bert Hellinger neste campo partiu da observação da influência das 3 Leis Sistêmicas e como elas são relevantes para explicar as desordens dentro dos sistemas familiares. A partir de então, caminhou na direção de expandir o conhecimento da Constelação Familiar através da prática, o que seguiu fazendo até o final de sua vida.
Hellinger nunca se preocupou em explicar o porquê a Constelação funciona e como ela funciona, mas passou sua carreira observando os efeitos que ela trazia aos participantes e a si mesmo.
Seu direcionamento também nunca foi de estruturar uma linha de pensamento ou escola. Ainda assim, a Constelação Familiar tem se tornado uma forte linha filosófica, que traz valiosos insights sobre os relacionamentos humanos e familiares.
A partir de Hellinger, outros estudiosos também entraram em contato com seu trabalho e desse movimento começou a surgir uma nova leva de conhecimentos e estudos que têm se preocupado com a explicação científica das Constelações Familiares.
Algumas teorias como a de neurônios espelhos, campos mórficos, estudos de transmissão de traumas transgeracionais, entre outros, encontram cada vez mais espaço na explicação científica deste conhecimento.
Uma vez que a Constelação Familiar de Bert Hellinger têm encontrado muitos bons resultados em diversas aplicações ao redor do mundo, temos certeza que esse movimento de ordem e amor continuará se ampliando cada vez mais.