Quando olhamos para a escola de hoje e os desafios existentes, podemos observar que o lugar dos pais muitas vezes é um tanto difuso e dá margem a confusões e erros.
O papel de educar e o papel de ensinar muitas vezes se sobrepõem e, essa imbricação, que invade limites e tira a força de ação das partes envolvidas, muitas vezes causa os conflitos que vemos hoje na escola.
O que cabe ao professor e o que cabe à família?
Qual o lugar de cada um nesse sistema?
Qual o lugar de força de cada uma das partes para que a aprendizagem – objetivo final da escola – possa acontecer?
O lugar dos pais na escola
A Educação Sistêmica, abordagem desenvolvida por Bert Hellinger e Marianne Franke-Gricksch – ambos alemães, educadores e terapeutas – traz à luz as Leis que regem a relação entre a escola, a família e os professores, e nos mostra de forma clara e objetiva o que já desconfiávamos através da observação: cada um tem o seu lugar, cada um tem sua própria importância nesse lugar, e invadir o limite do outro é uma das principais causas dos conflitos que enfrentamos na escola.
Através da descoberta das Leis, ou Ordens, que regem as relações humanas e, consequentemente, as relações entre os elementos de um sistema – como a escola, neste caso – podemos ampliar a nossa percepção acerca do lugar que cabe a cada um nesse contexto.
A Ordem, uma dessas Leis descobertas por Bert Hellinger, nos mostra que cada um tem o seu lugar de importância em todos os sistemas, e que é a partir desse lugar que podemos atuar em força plena de realização. Portanto, os pais têm o primeiro lugar nas escolas.
O que significa, na prática, “dar aos pais o primeiro lugar na escola”?
Os pais trazem os filhos para a escola. Antes disso, eles lhes dão a vida. Esse é o movimento primeiro que possibilita que a escola exista e que todos os funcionários que servem à escola possam ter uma ocupação e, por conseguinte, através do serviço, dar sustento e continuidade às suas próprias famílias. Os pais, portanto, são os iniciadores, por isso cabe a eles não só o primeiro lugar, mas o lugar de honra na escola.
Esta pergunta pode ser respondida ao observarmos a relação que muitas escolas têm com os pais: o cuidado de mantê-los informados a respeito das regras da instituição, reuniões, pedidos de autorização para realização de atividades que fogem à rotina, etc. Os pais são os responsáveis e nós, a escola, respondemos a eles. Observamos, portanto, que, institucionalmente, os pais já têm o primeiro lugar. Em um outro nível, podemos também incluí-los. Esse é o nível do coração.
Quando acessamos o nível do coração, entramos em uma sintonia de concordância e amorosidade com a realidade da forma como ela se apresenta, e isso nos conecta ao outro através da gratidão. Olhar para os nossos alunos e ver que atrás deles estão seus pais, reconhecer esse amor, nos coloca em contato com o fato de que foram eles que trouxeram seus filhos para a escola e que esse foi o movimento que nos deu um trabalho e a possibilidade de servir à vida através da educação.
A escola que respeita essa posição dos pais floresce, porque essa nova postura os enaltece e os honra como os pais certos. A concordância e o respeito reconciliam a todos e fortalecem os outros elos que conectam os membros da escola.
Como esse efeito se expande através dessa nova postura?
Por tratar-se de um sistema, a escola é um todo com muitas partes que são conectadas e que interagem e influenciam umas às outras. Uma das bases fundamentais de toda escola, e que estrutura e faz fluir a força do sistema, é o respeito aos pais dos alunos.
Uma outra é a história da escola e as pessoas que a fundaram e contribuíram da sua maneira para que o sistema chegasse ao ponto em que chegou – mas esse é um tema para um novo artigo. Sem o reconhecimento dessas duas bases, seguida de uma mudança interna, os conflitos continuam e se prolongam.
O respeito aos pais e ao lugar que eles ocupam traz ordem ao sistema como um todo e somente a partir dessa nova percepção podemos começar a nos movimentar de forma a perceber as mudanças. Quando os pais são respeitados como os pais certos, eles se sentem em uma relação de confiança com o professor e a escola e, por isso, se acalmam e ficam mais abertos a cumprir seu papel de pais, muitas vezes deixando de lado hábitos antigos, como espiar o que acontece na aula, como se desconfiassem do trabalho do professor, fazer visitas frequentes e sem motivos claros – e muitas vezes raivosas – à direção, entrar em conflitos diretos ou indiretos (através do filho) com o professor, etc.
O respeito que emana da postura “vocês têm os pais certos e eu sou apenas o professor” irradia para todas as partes envolvidas: além dos pais, agora mais confiantes na escola e no professor, os alunos também se abrem mais para o processo de aprendizagem, já que não precisam mais escolher entre os valores de sua família e os da escola: “As regras de sua família são tão certas e válidas quanto as da escola. Você não precisa escolher entre elas, apenas respeitar o local onde aplicá-las. E na escola, muitas vezes as regras são diferentes, mas não melhores que as da sua casa.” Ao dizer isso ao aluno, ou expressá-lo através da sua postura interna, o professor retoma a sua força, pois volta para o seu lugar, onde tem mais poder e autoridade para realizar o seu trabalho.
Na tríade pais/aluno/professor, essa nova postura age de forma a tornar o trabalho daquele que ensina também mais leve e mais produtivo. Ser “apenas o professor”, voltando para seu lugar, retira um grande peso das costas do docente, muitas vezes devolvendo-lhe a saúde e a tranquilidade para seguir servindo ao futuro.
Professores que antes se estressavam em sala de aula, que temiam o dia da reunião de pais, ou precisavam recorrer com grande frequência ao apoio de um coordenador ou orientador educacional, passam a ter uma nova postura que os ajuda a encontrar soluções para as questões de comportamento e aprendizagem que surgem na sala de aula. A força dos pais dos professores e dos pais dos alunos, agora integradas e em consonância, olham para o serviço maior a que estão expostos: servir às crianças de hoje, de forma que elas possam, por sua vez, servir às novas gerações com alegria e leveza.
Como essa postura afeta a educação?
Um dos grandes ganhos dessa postura de concordância com os pais se demonstra na aprendizagem. Em um grupo escolar onde o que o aluno traz de casa é acolhido como válido e de real valor, todos aprendem mais, pois sentem-se livres para errar. Todos nós somos metade o nosso pai e metade a nossa mãe. Uma crítica aos pais é na verdade uma crítica aos alunos. Onde há crítica, não há espaço para erros, e sem erros não há aprendizagem. O professor com a postura sistêmica acolhe com mais amor os desvios na aprendizagem, pois é capaz de concordar com os alunos da forma como são, descobrindo e promovendo suas potencialidades. Este professor é também capaz de fazer valer, com uma postura amorosa e inclusiva, as consequências dos atos dos alunos, pois sabe que sem consequências não há aprendizagem. Ele só é capaz de exercer a sua autoridade sem conflitos e emanando respeito porque ele sabe o seu lugar.
Quando agimos fora do nosso lugar, invadindo o espaço dos pais, por exemplo, perdemos a autoridade e nos tornamos autoritários, pois todas as crianças amam e querem os seus pais (mesmo que as dores da vida a façam afirmar o contrário). Todos nós conhecemos os efeitos do autoritarismo nas escolas e o quanto ele torna o ambiente improdutivo, atraindo o medo.
O professor com autoridade permanece professor e atua a partir desse lugar. O professor autoritário, geralmente, está agindo com a postura “já que seus pais não são bons o suficiente, eu tomo o lugar deles e faço melhor”. O que conseguem, geralmente, com essa postura, é a manutenção ou aumento da indisciplina e desrespeito em sala de aula. Professores com essa postura muitas vezes se acham melhores que seus próprios pais.
Que movimento essencial é preciso empreender, como educadores, para dar esse passo?
Em primeiro lugar, olhamos para o nosso próprio sistema de origem, dando aos nossos pais um lugar em nossos corações do jeito que são. O professor que diz aos próprios pais: “Vocês são os pais certos para mim”, percebe que seu amor flui para todos os outros pais.
Concordar e amar os pais de seus alunos é o próximo passo, e ele vem naturalmente, sem muito esforço, quando já empreendemos o movimento de concordância com os pais que temos.
Os professores que entram em conflito com os pais dos alunos geralmente estão em estado de exigência, crítica, lamento, culpa ou pena com relação ao destino dos seus próprios pais e, naturalmente, estão também em conflito com os pais de seus alunos.
O que NÃO significa “dar aos pais o primeiro lugar na escola”?
Dar o primeiro lugar aos pais não significa, por exemplo, que nos submetemos a tudo que eles querem, principalmente se suas demandas não estiverem em consonância com a realidade da escola e com o seu projeto pedagógico. A postura interna de respeito aos pais não pode se confundir com o respeito que precisamos ter com as regras da escola. Os pais educam e os professores ensinam.
A escola é uma parceira a favor do aluno e do seu crescimento, mas também um local onde todos precisam exercitar a sua própria atuação a partir do lugar que lhes cabe. Do nosso lugar de especialistas em educação, precisamos mostrar aos pais que as regras da escola precisam ser respeitadas para que a parceria floresça. Geralmente quando damos aos pais o primeiro lugar surge neles um sentimento natural de confiança, ajudando-os a compreender melhor as demandas da escola e aceitá-las ou discordar delas em harmonia com um propósito maior no qual todos estão inseridos, que é a educação dos filhos. É através do respeito aos pais que a escola dá o primeiro passo para que eles voltem para o seu lugar e confiem que seus filhos estão em boas mãos.
Ao lidar com os pais e os alunos, é sempre aconselhável que o professor marque, através da linguagem, a sua função de especialista naquele contexto. Em uma orientação aos pais, por exemplo, o profissional da escola pode iniciar a frase marcando o seu lugar: “Como professor / orientador educacional / coordenador, eu sugiro / observo que…”. Essa frase traz em si uma informação implícita: aqui, sou o profissional e meu envolvimento não é pessoal com vocês; não comento as questões que vocês têm com seus filhos de forma pessoal, mas observo que há comportamentos e posturas que causam bons e maus efeitos na escola. Meu papel aqui é trazer a minha experiência e ajudá-los, do meu lugar, a ajudar os seus filhos na escola a partir do lugar de pais.”
Como educadores, não podemos perder de vista que não existem cursos de formação para pais. Os pais também são aprendizes na escola, assim como todos os outros envolvidos. A diferença entre nós, educadores ou pais, é que aprendemos para servir melhor os nossos alunos e filhos; aqui, ampliamos a nossa visão para o futuro e cuidamos para que ele seja melhor.
Cada um do seu lugar, cada um com sua força especial, cada um usando uma nova postura inclusiva e amorosa. Uma nova postura que concede a cada um o seu devido lugar e o respeita. Uma postura que cultiva e faz florescer a paz.
LÉO COSTA é educador há mais de 24 anos e atualmente exerce a função de Coordenador Acadêmico da ACBEU – Associação Cultural Brasil-Estados Unidos – em Salvador, Bahia. Ele também atua como Educador e Terapeuta Sistêmico através do Instituto Alegria, do qual é co-fundador. Você pode seguir seu perfil no facebook aqui.
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