Recentemente acolhi, para atendimento no meu consultório, um jovem, filho bom e obediente. À primeira vista, um exemplo. Alguém que não despertava preocupações dos pais.
Entretanto, tornou-se uma pessoa que se colocou na vida longe de sua alma.
Sim, obedecia para não desagradar ou ferir seus vínculos familiares. Assim, procrastinava dia a dia, o seu próprio desenvolvimento. Por trás de sua pseudo obediência, o que havia?
Uma raiva enorme.
Embora pudesse se expressar, decidiu se calar e acusar seu pai pelos seus insucessos. Sentia muita culpa e ao mesmo tempo paralisado, pois seu pai lhe dava tudo.
A culpa o estava levando para uma vida medíocre, sem cor. Tudo era meio preto e branco. Vivia em águas paradas. Sem paixão, motivação, sem vontade para levar sua vida adiante. Nunca fazia o que queria fazer, mas mantinha-se obediente ao pai. Passou a se encaixar numa preguiça existencial frustrante.
Como sair desse lugar?
Então, lembrei de uma história e contei…
“Era uma vez um patrão que precisou fazer um negócio, mas antes de fazer sua longa viagem, chamou três de seus empregados, deu-lhes moedas de ouro. A um deu cinco, a outro três e para o último entregou-lhe apenas uma. O que recebeu cinco, transformou-as em dez, o que receberá três, em seis, e o último guardou sua moeda, pois em seus pensamentos o patrão era duro, exigente e bravo.
Assim, quando o patrão retorna, ao averiguar o trabalho de todos, ficou surpreendido com a atitude do que recebeu uma moeda de ouro. Perguntou-lhe: – O que aconteceu?
E ele respondeu: – Sabendo que o senhor era duro e exigente, guardei a moeda, e agora eu a devolvo.
E o patrão respondeu: – Servo mau e preguiçoso, vou usar suas próprias palavras. Sabendo que sou um homem duro, você nem pensou em colocar no banco para render algum juro?
E depois virou-se para os outros empregados e disse:
– Tirem a moeda dele e a deem ao que tem dez moedas.
E finalizou comentando que é assim a vida: – Aquele que tem muito receberá ainda mais, mas quem não tem, até o pouco que tem tirarão dele. Esse empregado será lançado fora, na escuridão. E ali ele vai chorar e ranger os dentes.”
A recusa em tomar a vida em suas próprias mãos
Que história forte. Mas a vida dá essa resposta aos filhos que recebem, e não tomam o que recebem.
Sofrem dessa forma. Vão vivendo suas vidas sem realização, ficam cegos e entram num terrível vazio. Mas a situação mais insinuosa e ainda pior é:
– Vou, mas não vou. Faço de conta…
Que brincadeira perigosa.
É parecer que tomou, mas não tomou. Demonstra uma aparente obediência, mas nada aconteceu de verdade. É como aquele menino que se assenta conforme a ordem do pai, mas seu coração mantém-se em pé.
Sua vida segue desvitalizada e sem frutos, revelando exatamente seu coração altivo. Sente-se culpado. Gostaria de escolher, mas não se permite falar o que quer, teme o temor do próximo passo. Teme o seu próprio crescimento.
É o temor do tomar a vida nas próprias mãos.
Somente no caminho da gratidão se decide falar e fazer algo de bom. Mas, algo acontece com esse filho. E ele prefere manter sua vida pueril, fica na culpa, atendendo exigências e alimentando julgamentos.
Nada acontece de verdade. São águas paradas. Não toma o que recebeu e suas reivindicações em relação aos pais deixam-no cego, irrealizado e com a sensação de um imenso vazio.
Um lugar de sofrimento e sombras
Caminhos para uma vida feliz
Enquanto não tomar a vida com gratidão, seu coração não alcança a grandeza dos pais. A reverência não encontra espaço algum.
Gratidão e Reverência, eis os dois caminhos que garante aos filhos, vida longa e feliz.
Caminhos da obediência com alegria no coração, assenta todas as coisas. Os filhos florescem e seguem em direção ao êxito. A vida ganha o SIM cedendo ao coração a realização de todos os seus desígnios.
A vitória bate à porta. É possível comprar champanhe, pois a hora da celebração está chegando. As três moedas de ouro já não são três, são seis, e as cinco, agora são dez, isso é muito bom!
Após o atendimento o cliente retornou e disse-me:
“- Sim, a parte que você falou que eu estava longe de minha alma, fez eu perceber conscientemente isso, e até pensar em outras questões que me afastam da minha alma. Parece que não me encontrei bem ou que estou desposicionado, tentando me encontrar. É como se eu ainda tivesse pisando em areia movediça em vez de chão firme.
Ficou mais claro, também, o fato de eu ficar com raiva do meu pai pra talvez atribuir a outra pessoa a culpa por eu não ter tomado atitude e assumido a minha vida pra me desenvolver e evoluir como queria e quero.
Fico brigando com essa raiva dentro de mim. Parece que o peso da minha dor ficou mais leve … .por outro lado, parece que ficou mais fácil visualizar soluções quando aceito que eu sou o culpado por esse meu insucesso, e que meu pai fez o melhor que ele pôde. Quando fico só me queixando entro numa energia de dor e injustiça. E quando aceito que sou responsável, posso ver clarear o caminho, como se parasse de me conformar com as dores e sentimento de vítima, e pensasse em maneiras de superar essas questões e de me desenvolver como eu quero.
Mas eu vi também que ainda não estou podendo receber. Não estou pronto ou não estou conseguindo aceitar. Ainda tenho culpa. Ainda acho que faço pouco, e por isso não mereço o que ganho. Os presentes trazem junto o peso de eu não merecê-lo.
A parte de eu fingir que trabalho também. “Vou, mas não vou”. Acontece muito. Tento enganar meu pai, e sei que estou mais a me enganar do que a ele. Isso me causa extremo desconforto, mas é difícil mudar de postura.”
Esse é o caminho, dentro de um longo processo. Estamos nos movendo, e esse jovem filho está percebendo algo, dando seus passos em nova direção. Neste novo lugar novas informações se mostraram, dando início a uma nova fase de sua vida.
Está muito mais próxima de seus pais, ainda que longe da obediência. Para tanto, há que se aceitar o crescer. E sempre acompanhado do amor por aqueles que nos deram a oportunidade de viver.
Texto escrito pela Psicóloga, consteladora e professora do RAÍZES Instituto, Sonia Farias