Bert Hellinger é a grande fonte da Constelação Familiar e Sistêmica. Tendo trabalhado e observado esse campo de conhecimento por mais de 30 anos, o psicoterapeuta e filósofo alemão é hoje um dos seus principais pensadores de nosso século.
Seu legado é difundido em treinamentos e eventos ao redor do mundo, através de workshops de constelação familiar e em outros trabalhos que envolvem o pensamento sistêmico, como no Direito, Pedagogia e Assessoria Empresarial.
Bert faleceu em 2019 aos 93 anos e, por isso, resgatar suas palavras escritas é de fundamental importância.
Hoje, selecionamos algumas perguntas feitas para Bert Hellinger por Norbert Linz, que constam no final do livro “Ordens do Amor”. Dessa forma, todos temos a oportunidade de nos aproximar da fonte do conhecimento trazido pelas Constelações.
LINZ: Há algum tempo você também trabalha com pessoas gravemente enfermas. Sua abordagem sistêmica mostrou-se válida também nesse domínio?
HELLINGER: Sim, sobretudo quando se trata de problemas e sintomas causados por envolvimentos.
LINZ: E que sintomas são melhor aliviados através da psicoterapia sistêmica?
HELLINGER: Pode-se ver que determinadas doenças graves como o câncer, por exemplo, têm um condicionamento sistêmico. O nexo sistêmico se mostra na dinâmica “Eu sigo você”, isto é, alguém quer seguir, na doença ou na morte, uma pessoa do grupo familiar que está doente ou faleceu.
Ou então, quando uma criança vê que alguém de sua família quer seguir outro dessa maneira, ela diz: “Antes eu do que você.” Existe ainda o desejo de expiar e compensar algo funesto através de algo igualmente funesto. Quando se conhecem essas dinâmicas básicas, é possível neutralizá-las, aliviando muito sofrimento.
Outros sintomas estão associados ao movimento interrompido em direção dos pais. Dores no coração ou dores de cabeça, por exemplo, são muitas vezes amor represado, e dores nas costas resultam frequentemente da recusa de uma reverência profunda à mãe ou ao pai.
LINZ: Existe ainda uma percepção básica, que orienta de modo especial o seu esforço terapêutico?
HELLINGER: Identifico-me com um movimento que torna a unir o que foi separado, mas de forma a primeiro descobrir o que separa e o que une. Nesse particular, minha descoberta mais importante foi que cada membro, vivo ou morto, da família e do grupo familiar tem o mesmo direito de pertencer ao grupo.
Por outras palavras, a alma demonstra, por seu modo de reagir à negação ou ao reconhecimento desse direito, que se trata aqui de uma lei básica, intimamente reconhecida por todos. Portanto, quando qualquer membro é excluído, reprimido ou esquecido, a família e o grupo familiar reagem como se tivesse acontecido uma grande injustiça que precisa ser expiada.
Isso acontece, por exemplo, quando alguém, por razões morais, é declarado indigno de pertencer à família ou é deslocado por outra pessoa que ocupa o seu lugar. Acontece igualmente quando, na família e no grupo familiar, não se quer mais saber de alguém porque seu destino amedronta, ou ainda quando alguém é simplesmente esquecido, como uma criança que tenha morrido ao nascer.
A alma não suporta que alguém seja considerado maior ou menor, melhor ou pior. Somente os assassinos podem e devem ser excluídos, isto é, os demais membros da família os despedem em seus corações com amor. A injustiça da exclusão é expiada, na família e no grupo familiar, quando outro membro do sistema passa inconscientemente a representar, diante dos membros remanescentes ou agregados, a pessoa que foi excluída ou esquecida.
Essa é a causa mais importante de um envolvimento sistêmico e dos problemas que dele resultam, tanto para a pessoa envolvida quanto para sua família e seu grupo familiar.
O direito básico de pertencimento não é, portanto, uma exigência imposta de fora. No fundo de nossa alma nós nos comportamos como se tratasse de uma ordem preestabelecida, independentemente de nossa compreensão e justificativa. Na família reina, portanto, a lei da igualdade de todos. Pode-se dizer que cada um é tomado, à sua própria maneira, a serviço da família e ninguém é dispensável nem pode ser esquecido.
Os problemas mais graves com que me defronto nascem do desrespeito a essa igualdade. Como terapeuta, recoloco diante dos olhos de todos, as pessoas excluídas. Logo que são de novo reconhecidas e acolhidas, a paz volta a reinar e as pessoas enredadas ficam livres. Nesse reconhecimento mútuo da igualdade reencontram-se com amor pessoas que talvez estejam separadas: marido e mulher, filhos e pais, sãos e enfermos, os que chegaram e os que partiram, vivos e mortos.
Como terapeuta, me empenho profundamente a serviço da reconciliação.
LINZ: Por que você muitas vezes não permite aos clientes que falem mais extensamente dos seus problemas? Essa atitude irrita muitas pessoas.
HELLINGER: O problema que a pessoa expõe não é realmente o seu problema, da forma como o expõe. Pois se ela o tivesse entendido bem…
LINZ: … ele não existiria mais.
HELLINGER: Justamente. Por essa razão, parto do pressuposto de que quase tudo o que alguém diz sobre uma situação realmente não corresponde a ela. Se eu ouvisse isso, daria à pessoa uma oportunidade de confirmar e reforçar seu problema através de sua descrição. Em vista disso, não permito que me conte seu problema como gostaria de fazê-lo, mas digo-lhe que apenas me narre os acontecimentos, por exemplo, se algum dos pais foi casado anteriormente, quantos irmãos tem, se algum deles morreu ou se houve ainda algum acontecimento marcante em sua infância e em sua família.
LINZ: Portanto, você só permite que ela lhe conte fatos.
HELLINGER: Apenas fatos, sem interpretações. Pelos fatos sei então o que vai em sua alma e qual é a raiz de suas dificuldades ou de seu envolvimento. Então tenho as informações de que preciso.
LINZ: Quando é que você introduz histórias? Existem determinadas regras para isto?
HELLINGER: Quando não vou adiante com alguém e noto que existe um bloqueio, às vezes me ocorre alguma história para essa pessoa. Muitas de minhas histórias surgiram dessa maneira e fazem então um efeito surpreendente.
LINZ: Como elas atuam?
HELLINGER: O primeiro ponto é que a outra pessoa já não precisa defrontar-se diretamente comigo. Se, por exemplo, eu lhe digo diretamente o que ela poderia ou deveria fazer, ela se vê como um oponente e precisa colocar limites diante de mim, ainda que seja correto o que lhe digo. Ela precisa fazer isso para preservar sua dignidade.
Mas, quando lhe conto uma história, ela não se defronta mais comigo e sim com os personagens da história. E muitas vezes não conto a história a ela, mas a uma outra pessoa, e ela não sabe que a história está sendo dirigida a ela.
LINZ: Às vezes você também fala diretamente às pessoas, por exemplo, numa terapia individual. Isso faz alguma diferença? Você precisa ser mais cuidadoso nisso, ou utiliza outras histórias?
HELLINGER: Existem pequenos truques. Posso dizer, por exemplo: “Certa vez, encontrei um homem que contou a alguém…”
LINZ: Portanto você faz um enquadramento.
HELLINGER: Sim, dou à história um enquadramento. Ela fica sendo uma história que outra pessoa conta a uma terceira, e a atenção do meu interlocutor se desvia de mim. O enquadramento cria um grupo fictício onde a história é contada.
LINZ: Muitas vezes, suas histórias parecem ter, além da função de esclarecer, a de relaxar a tensão. Você segue um certo plano quando introduz histórias num curso?
HELLINGER: Não planejo. Às vezes, após um trabalho difícil, noto que o momento exige uma distensão e vejo se já tenho uma história ou me ocorre alguma nova, e então conto-a. Isso ajuda o grupo a voltar à calma e a preparar-se para o que vem depois. Também são histórias desse tipo os exemplos que eventualmente uso para esclarecer alguma coisa. São igualmente pausas para descanso. Dessa forma, procuro fazer com que um curso se desenvolva como um drama.
Primeiro existe uma ação, depois uma certa reflexão, ou às vezes preciso contar alguma piada ou algo divertido, quando a situação fica muito séria.
LINZ: Portanto, são também momentos de compensação.
HELLINGER: São momentos de compensação e, curiosamente, também de aprofundamento, porque também se mobiliza o elemento contrário. Assim, não apenas o sério e não apenas o divertido, não só teoria e não só trabalho. Tudo isso vem junto, a vida completa.
LINZ: Recapitulando sua vida, que outras experiências pessoais, além das adquiridas através dos mestres, foram importantes para o desenvolvimento de suas formas de terapia?
HELLINGER: Naturalmente, uma experiência muito importante para mim foi meu convívio com os zulus na África do Sul. Lá conheci uma forma de convívio humano totalmente diferente: por exemplo, uma enorme paciência e também um enorme respeito mútuo. Lá é natural que ninguém ridicularize o outro. Assim, cada um pode preservar seu semblante e sua dignidade.
Também me impressionou muito a maneira como os zulus lidam com seus filhos e como os pais fazem valer sua autoridade. Por exemplo, jamais ouvi que alguém tivesse falado depreciativamente dos próprios pais. Isso é impensável entre eles.
LINZ: Na época, você atuava numa ordem de missionários católicos. Como é que esse campo especial o marcou?
HELLINGER: Essa foi para mim uma experiência de muita disciplina e trabalho intenso, que me exigiu amplamente e ainda produz seus efeitos. Na África do Sul dirigi escolas superiores, ensinei várias disciplinas, especialmente o inglês, e administrei por muitos anos todo o sistema de ensino de uma diocese com cerca de 150 escolas. As experiências pedagógicas dessa época ainda me beneficiam hoje em meus cursos.
LINZ: Quando você deixou a ordem religiosa, no início dos anos 70, e mudou de profissão, houve resistências?
HELLINGER: Quando me afastei não houve resistências, nem da parte da ordem nem de minha parte. Foi um crescimento ulterior. Por essa razão, também não vivenciei minha saída como uma ruptura, mas como uma evolução.
LINZ: Portanto, sua saída foi totalmente pacífica?
HELLINGER: Sim. Posso olhar para trás com bons sentimentos e ainda mantenho contato com alguns amigos da ordem. Reconheço o que nela recebi e também o que ali realizei.